segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Suplementação de Ômega 3 e Câncer de Próstata: Mito ou Realidade?

Excelente a colocação do Dr. Barakat com relação ao assunto, aproveito para compartilhar com vocês.
Com a divulgação da relação entre Ômega 3 e Câncer de Próstata, mais uma vez os meios de comunicação de massa prestam um desserviço à humanidade através da divulgação sensacionalista do resultado de um estudo científico isolado, tratando-o como a verdade final da ciência e divulgando-o para o público como se finalmente tivessem descoberto algo inédito.
A relação entre quantidade de gordura na alimentação e câncer de próstata está sendo pesquisada pela ciência nos últimos 20 anos, não sendo, portanto, uma “novidade” como foi anunciado – existem mais de 160 trabalhos na base de dados do Pubmed sobre o tema Ômega 3 e Câncer de Próstata).
Este trabalho divulgado nos jornais como uma grande descoberta, é um estudo prospectivo que avalia os níveis plasmáticos dos ácidos graxos e correlaciona estes níveis com câncer de próstata. Realizado pelos Drs. Alan Kristal e Theodore Brasky, analisaram os fosfolipídeos plasmáticos a partir de amostras de sangue de outro trabalho chamado SELECT (Selenium and Vitamin E Cancer Prevention Trial), no qual foi pesquisado se a vitamina E e o selênio preveniriam câncer de próstata.
Assim, a partir da análise do trabalho científico em questão, podemos observar que:
1) o estudo não é uma pesquisa do tipo caso-controle, ou seja, no qual exista um grupo utilizando ômega 3 e outro utilizando placebo. É um estudo epidemiológico que faz uma inferência associativa, não uma experiência direta ao tema. O estudo SELECT não tinha o objetivo de pesquisar o efeito do ômega 3 sobre o câncer de próstata. Não foi feita nenhuma avaliação dietética, ou se os participantes faziam uso ou não de suplementos de ômega 3, ou ainda, alguma avaliação sobre a fonte do consumo ou a forma que fora administrado o ômega 3. A questão levantada aqui é que a poluição ambiental pode contaminar os alimentos e causar aumento de toxinas e metais pesados, estes sim carcinogênicos e que, por consequência, podem levar ao desenvolvimento do câncer de próstata – e não o Ômega 3.
Além disso, os suplementos de Ômegas 3 disponíveis no mercado não são todos iguais, podendo ter muita diferença quanto à procedência, tipo de peixe, forma de fabricação e presença de toxinas e metais tóxicos. Todas as toxinas do mar podem ser acumuladas na gordura do peixe e o Ômega 3 é fabricado através de um concentrado dessa gordura. Nesta pode haver presença de metilmercúrio e outros metais pesados, PCB’s (produtos policlorados), dioxinas, entre outros. Muitos destes compostos são carcinógenos em potencial e podem causar, inclusive, o câncer de próstata. Por este motivo é que surgiu a necessidade de um processo de certificação e confirmação da qualidade do Ômega 3, sendo que a instituição mais respeitada e credenciada internacionalmente para tal é a IFOS, do Canadá, na qual o Ômega 3 de vocês é classificado com 5 estrelas.
2) Todas as conclusões deste trabalho baseiam-se no uso de um exame que é cientificamente questionado: o exame de dosagem de ácidos graxos nos fosfolipídios plasmáticos como marcador da ingestão de Ômega 3. Na própria discussão do trabalho, o autor questiona o valor do exame e a possível interferência da alimentação no resultado, assim como admite no trabalho que por motivos econômicos se utilizou desse teste. Sabe-se que a dosagem plasmática de ácidos graxos se refere ao que foi ingerido nas últimas 12hs, e que hoje está estabelecido que a dosagem de ácidos graxos em hemácias seria mais estável e correto para avaliar o verdadeiro status de consumo de Ômega 3 nos últimos 3 meses. A biópsia de tecido adiposo seria a forma mais efetiva, mas de difícil realização prática. A dosagem plasmática flutua por muitas causas (alimentação, atividade física, genética, idade…), e a dosagem em membrana de eritrócitos é um método mais fiel para avaliar a ingestão real de Ômega pelo paciente, pois os ômegas são incorporados nas membranas celulares.
Estudo feito por Shannon et al (2010) com dosagens de ácidos graxos em membranas de eritrócitos, comprovou que, quando se dosa ômega 3 em membranas, não existe relação com Câncer de Próstata!!!
Assim, toda credibilidade do trabalho fica comprometida, pois este se arroga a criar uma verdade a partir de um exame falho e inadequado e de uma inferência dos resultados para provar o que se propõe, o que torna sua conclusão refutada.
3) Outro aspecto é que o estudo usou percentagem de ácidos graxos e não a quantificação direta dos ácidos graxos. As conclusões foram tiradas comparando os quartis (quartil inferior comparado com o quartil superior). O grupo de menor risco tinha <3,68% de fosfolipídios plasmáticos e o grupo de maior risco >5,3%. Esta é uma faixa de variação muito pequena para se tirar conclusões. A média da percentagem de fosfolipídios de EPA+DPA+DHA no plasma de controles era 4,48%, e somente 4,71% no grupo de câncer. Haja cálculo estatístico para conseguir transformar esta pequena diferença em uma nova verdade!!
4) O autor tenta justificar os seus resultados apresentando uma metanálise ao final do estudo. Ele agrupou alguns trabalhos, inclusive dois dele, para justificar seus achados. Eu revisei esses trabalhos e apresentam os mesmos problemas metodológicos descritos acima. Existem muitos estudos que chegam a conclusões opostas deste trabalho: ou não encontraram relação entre ômega 3 e Câncer de Próstata; ou encontraram uma relação protetora de níveis teciduais mais altos de ômega 3, com menor risco e menor mortalidade. Por exemplo, os trabalhos de Chua et al. (2013), Sorongon-Legaspi et al. (2013), Torfadottir et al. (2013), Chavarro et al (2008), Terry et al. (2001), Harvei et al (1997).
5) A relação protetora e benéfica entre câncer e ômega 3 já foi confirmada diante de outros tipos de câncer, como mama e cólon. O ômega 3 apresenta inúmeras ações inibindo metabolicamente a propagação e crescimento do câncer, como resumido no trabalho de J. A. Stephenson.
6) O autor arremata seu artigo citando uma metanálise que saiu no JAMA em 2012, sobre a ação do ômega 3 e doenças cardíacas, insinuando que este efeito não foi comprovado nessa metanálise. Se analisarmos este artigo, a conclusão é que os estudos realizados até agora não foram significativamente estatísticos para comprovar o benefício, mas existe clara demonstração de seus efeitos benéficos sobre as doenças cardíacas (com exceção do AVC). Considerando que a mortalidade cardíaca nos EUA é em torno de 244 mortes por 100.000 habitantes e a mortalidade por câncer de próstata é de 22 por 100.000 habitantes (dados de 2008), fica claro a importância de se prevenir a doença cardiovascular.
7) Um dos motivos de tantas controvérsias nos resultados de estudos sobre Ômega 3 na literatura médica se deve, em grande parte, ao desenho destes trabalhos. Como nutriente o ômega 3 tem uma ação sistêmica, multifatorial, mas em trabalho que busca uma ação linear talvez não capte sua ação. Para se ter um melhor efeito, o ômega 3 não pode estar oxidado, assim o conteúdo de antioxidantes do paciente pode interferir no seu resultado clínico. Como modulador do processo inflamatório, seu efeito será maior se os nutrientes pró-inflamatórios como açúcar e ômega 6 forem reduzidos. Assim, se reduzir os aspectos multifatoriais a um aspecto linear, os benefícios já comprovados de seu uso evidentemente não aparecerão.
O ômega 3 é o suplemento nutricional mais estudado na ciência, com mais de 18.000 trabalhos encontrados no Pubmed. Seus mecanismos de ação e seus benefícios em inúmeras patologias já foram exaustivamente estudados. Minha preocupação com esse trabalho e à dimensão dada nos meios de comunicação de massa é em relação às pessoas que poderão deixar de se beneficiar pelo medo desmedido provocado por essa falsa notícia.
Concluo que a única consequência desta polêmica notícia (e desta longa discussão científica de mais de 20 anos) é que, em pacientes com história familiar positiva para Câncer de Próstata (pois todos os trabalhos mostram uma maior incidência nestes casos), possam ter seus benefícios pesados frente a estes riscos suspeitos. Somente esses casos podem ter um cuidado, como medida frente a uma possível dúvida, mesmo que esta dúvida não tenha fundamento científico sólido. Aguarda-se que estudos prospectivos com ômega 3 cheguem a uma conclusão definitiva e sepultem de vez essa dúvida, pois os benefícios de aumentar os níveis de ômega 3 (e diminuir os de ômega 6) é maior que seus riscos potenciais, para a maioria das pessoas – e isso continua sendo verdade.

Fonte da postagem: 
http://rspress.com.br/health4life/omega-3-nao-esta-relacionado-ao-cancer-de-prostata/